CORREIO BRAZILIENSE - 23/5/2010
Ribeiro Gonçalves, no Piauí, com 6 mil habitantes, e Balsas, no Maranhão, com 100 mil, mesmo bem distintas, mostram que a opção de modelo rumo ao crescimento naufragou com o passar dos anos
Vinicius Sassine
A relação com o cerrado, a opção de desenvolvimento econômico adotada e os prognósticos desenhados para os próximos anos aproximam duas pequenas cidades no Nordeste brasileiro. Ribeiro Gonçalves, no sul do Piauí, recebeu as primeiras grandes plantações de soja e milho no fim da década de 1980. Quase 20 anos depois, continua liderando os índices de desmatamento do cerrado. Balsas está no sul do Maranhão e é outra cidade desde a penetração da soja, há 15 anos. Na última safra do grão, foi colhido 1,1 milhão de toneladas, uma produção que só foi possível a um custo de 455 quilômetros quadrados de cerrado devastados entre 2002 e 2008. Tanto Ribeiro Gonçalves quanto Balsas já sentem os efeitos da estagnação econômica: o Produto Interno Bruto (PIB) per capita recuou entre 2003 e 2007.
Em Ribeiro Gonçalves, cidade com pouco mais de 6 mil habitantes, a renda dos moradores cai significativamente ao longo dos anos e se aproxima do mesmo nível médio em todo o estado do Piauí. Em quatro anos, o PIB da cidade perdeu R$ 12 milhões e os ganhos médios dos moradores passaram de R$ 8,4 mil para R$ 5,5 mil. A produção econômica no estado caminha em direção contrária: o PIB per capita saltou de R$ 2,9 mil para R$ 4,6 mil. “A cidade estava há muito tempo numa crescente, mas a grande baixa dos preços da soja e o aumento do custo dos insumos paralisaram a abertura de novas áreas”, afirma o secretário de Agricultura de Ribeiro Gonçalves, Artur Dias Pinheiro.
Depois de um desmatamento de 117 quilômetros quadrados em sete anos, o secretário diz que a “maior fiscalização” no sul do Piauí vem reduzindo o ímpeto da devastação. Não é o que mostram as imagens de satélite que monitoram a ocupação do cerrado. A soja produzida em Ribeiro Gonçalves segue in natura para a unidade esmagadora da Bunge, instalada em Uruçuí, a 120 quilômetros de Ribeiro Gonçalves.
Uruçuí é o oitavo município brasileiro que mais desmatou o cerrado, com 372 quilômetros quadrados devastados entre 2002 e 2008. O processamento da soja, e não apenas a produção do grão, fez aumentar a riqueza econômica na cidade. O PIB em Uruçuí mais do que triplicou entre 2003 e 2007. “Aqui, na área de soja, só ficaram os grandes, quem tem estrutura”, ressalta o secretário de Agricultura de Ribeiro Gonçalves.
A produção de grãos em Balsas, no Maranhão, uma cidade de 100 mil habitantes, está sendo salva pela instalação de uma granja de Pernambuco e pela presença cada vez maior de investidores estrangeiros, que passam a dominar a propriedade das terras no sul do estado. “Não entram mais pequenos proprietários”, afirma o secretário de Agricultura de Balsas, Francisco de Assis Souza.
Grandes produtores norte-americanos, argentinos, russos e coreanos compram espaçosas glebas de terra para plantar soja, milho, algodão e arroz. Esses investimentos não se traduziram numa ampliação significativa do PIB da cidade — ao contrário, houve redução do PIB per capita. As monoculturas empreendidas pelos estrangeiros continuam ancoradas na política de desmatamento do cerrado. Balsas é o sexto município que mais desmatou o cerrado no país.
Investidores norte-americanos e coreanos também chegaram à cidade que mais devastou o cerrado entre 2002 e 2008, Formosa do Rio Preto, na Bahia. Eles chegaram atraídos pelo preço da terra, pela quantidade suficiente de chuvas e pela perspectiva de desenvolvimento do transporte ferroviário na região. Já são 350 mil hectares (3,5 mil quilômetros quadrados) de soja plantados nas imediações da cidade. E 1,4 mil quilômetros de cerrado desmatados em sete anos. “Ainda há espaço para mais soja”, diz o prefeito de Formosa do Rio Preto, Manoel Afonso de Araújo.
A dependência de uma única atividade econômica, como é o caso da monocultura da soja ou da cana-de-açúcar, diminui a renda nas cidades, conforme conclusão de uma pesquisa do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). O ISPN coordena desde 1994 o PPP-Ecos, programa que já financiou 308 projetos de desenvolvimento sustentável no cerrado, um estímulo à geração de renda nas comunidades locais que convivem bem com o bioma. O programa é custeado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU).
A cidade estava há muito tempo numa crescente, mas a grande baixa dos preços da soja e o aumento do custo dos insumos paralisaram a abertura de novas áreas”
Artur Dias Pinheiro, secretário de Agricultura de Ribeiro Gonçalves
Leia amanhã: o desmatamento em terras indígenas, assentamentos rurais e unidades de conservação
Há novos mercados
As comunidades locais em contato direto com os recursos ofertados pelo cerrado aprenderam a extrair renda do bioma e, mais do que isso, a se organizar para conquistar novos mercados. Uma iniciativa bem-sucedida, que abrange 10 mil famílias em 10 estados e no Distrito Federal (por onde o bioma se estende), é a Central do Cerrado, comandada de Brasília. Em torno de uma central, 35 associações e cooperativas se organizaram para trocar produtos e para acessar um mercado cada vez mais interessado na produção local.
A Central do Cerrado é um dos projetos financiados pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU). Funciona desde 2004 e tem como missão prospectar novos mercados para a produção das associações e cooperativas espalhadas pelo bioma cerrado. “É uma estratégia coletiva de acesso a esses mercados”, explica o secretário-executivo do projeto, Luís Roberto Carrazza.
A participação em feiras e a venda direta a lojas, empórios e indústrias asseguram a comercialização de óleos vegetais, medicamentos naturais, produtos cosméticos e alimentos como a farinha do pequi, a castanha do baru e a farinha do babaçu, três dos itens mais procurados na Central do Cerrado. A central também comercializa matérias-primas entre os associados. “Temos um estoque considerável de produtos para pronta-entrega”, diz Luís Roberto.
Doze projetos de exploração sustentável do Cerrado no Distrito Federal são financiados pelo programa da ONU, por meio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Entre as iniciativas estão a recuperação da biodiversidade em colônias agrícolas ao longo do Córrego Riacho Fundo, o estímulo ao agroturismo em Brazlândia e a construção de uma pequena indústria para processar hortaliças e frutos do cerrado. (VS)
Ribeiro Gonçalves, no Piauí, com 6 mil habitantes, e Balsas, no Maranhão, com 100 mil, mesmo bem distintas, mostram que a opção de modelo rumo ao crescimento naufragou com o passar dos anos
Vinicius Sassine
A relação com o cerrado, a opção de desenvolvimento econômico adotada e os prognósticos desenhados para os próximos anos aproximam duas pequenas cidades no Nordeste brasileiro. Ribeiro Gonçalves, no sul do Piauí, recebeu as primeiras grandes plantações de soja e milho no fim da década de 1980. Quase 20 anos depois, continua liderando os índices de desmatamento do cerrado. Balsas está no sul do Maranhão e é outra cidade desde a penetração da soja, há 15 anos. Na última safra do grão, foi colhido 1,1 milhão de toneladas, uma produção que só foi possível a um custo de 455 quilômetros quadrados de cerrado devastados entre 2002 e 2008. Tanto Ribeiro Gonçalves quanto Balsas já sentem os efeitos da estagnação econômica: o Produto Interno Bruto (PIB) per capita recuou entre 2003 e 2007.
Em Ribeiro Gonçalves, cidade com pouco mais de 6 mil habitantes, a renda dos moradores cai significativamente ao longo dos anos e se aproxima do mesmo nível médio em todo o estado do Piauí. Em quatro anos, o PIB da cidade perdeu R$ 12 milhões e os ganhos médios dos moradores passaram de R$ 8,4 mil para R$ 5,5 mil. A produção econômica no estado caminha em direção contrária: o PIB per capita saltou de R$ 2,9 mil para R$ 4,6 mil. “A cidade estava há muito tempo numa crescente, mas a grande baixa dos preços da soja e o aumento do custo dos insumos paralisaram a abertura de novas áreas”, afirma o secretário de Agricultura de Ribeiro Gonçalves, Artur Dias Pinheiro.
Depois de um desmatamento de 117 quilômetros quadrados em sete anos, o secretário diz que a “maior fiscalização” no sul do Piauí vem reduzindo o ímpeto da devastação. Não é o que mostram as imagens de satélite que monitoram a ocupação do cerrado. A soja produzida em Ribeiro Gonçalves segue in natura para a unidade esmagadora da Bunge, instalada em Uruçuí, a 120 quilômetros de Ribeiro Gonçalves.
Uruçuí é o oitavo município brasileiro que mais desmatou o cerrado, com 372 quilômetros quadrados devastados entre 2002 e 2008. O processamento da soja, e não apenas a produção do grão, fez aumentar a riqueza econômica na cidade. O PIB em Uruçuí mais do que triplicou entre 2003 e 2007. “Aqui, na área de soja, só ficaram os grandes, quem tem estrutura”, ressalta o secretário de Agricultura de Ribeiro Gonçalves.
A produção de grãos em Balsas, no Maranhão, uma cidade de 100 mil habitantes, está sendo salva pela instalação de uma granja de Pernambuco e pela presença cada vez maior de investidores estrangeiros, que passam a dominar a propriedade das terras no sul do estado. “Não entram mais pequenos proprietários”, afirma o secretário de Agricultura de Balsas, Francisco de Assis Souza.
Grandes produtores norte-americanos, argentinos, russos e coreanos compram espaçosas glebas de terra para plantar soja, milho, algodão e arroz. Esses investimentos não se traduziram numa ampliação significativa do PIB da cidade — ao contrário, houve redução do PIB per capita. As monoculturas empreendidas pelos estrangeiros continuam ancoradas na política de desmatamento do cerrado. Balsas é o sexto município que mais desmatou o cerrado no país.
Investidores norte-americanos e coreanos também chegaram à cidade que mais devastou o cerrado entre 2002 e 2008, Formosa do Rio Preto, na Bahia. Eles chegaram atraídos pelo preço da terra, pela quantidade suficiente de chuvas e pela perspectiva de desenvolvimento do transporte ferroviário na região. Já são 350 mil hectares (3,5 mil quilômetros quadrados) de soja plantados nas imediações da cidade. E 1,4 mil quilômetros de cerrado desmatados em sete anos. “Ainda há espaço para mais soja”, diz o prefeito de Formosa do Rio Preto, Manoel Afonso de Araújo.
A dependência de uma única atividade econômica, como é o caso da monocultura da soja ou da cana-de-açúcar, diminui a renda nas cidades, conforme conclusão de uma pesquisa do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). O ISPN coordena desde 1994 o PPP-Ecos, programa que já financiou 308 projetos de desenvolvimento sustentável no cerrado, um estímulo à geração de renda nas comunidades locais que convivem bem com o bioma. O programa é custeado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU).
A cidade estava há muito tempo numa crescente, mas a grande baixa dos preços da soja e o aumento do custo dos insumos paralisaram a abertura de novas áreas”
Artur Dias Pinheiro, secretário de Agricultura de Ribeiro Gonçalves
Leia amanhã: o desmatamento em terras indígenas, assentamentos rurais e unidades de conservação
Há novos mercados
As comunidades locais em contato direto com os recursos ofertados pelo cerrado aprenderam a extrair renda do bioma e, mais do que isso, a se organizar para conquistar novos mercados. Uma iniciativa bem-sucedida, que abrange 10 mil famílias em 10 estados e no Distrito Federal (por onde o bioma se estende), é a Central do Cerrado, comandada de Brasília. Em torno de uma central, 35 associações e cooperativas se organizaram para trocar produtos e para acessar um mercado cada vez mais interessado na produção local.
A Central do Cerrado é um dos projetos financiados pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU). Funciona desde 2004 e tem como missão prospectar novos mercados para a produção das associações e cooperativas espalhadas pelo bioma cerrado. “É uma estratégia coletiva de acesso a esses mercados”, explica o secretário-executivo do projeto, Luís Roberto Carrazza.
A participação em feiras e a venda direta a lojas, empórios e indústrias asseguram a comercialização de óleos vegetais, medicamentos naturais, produtos cosméticos e alimentos como a farinha do pequi, a castanha do baru e a farinha do babaçu, três dos itens mais procurados na Central do Cerrado. A central também comercializa matérias-primas entre os associados. “Temos um estoque considerável de produtos para pronta-entrega”, diz Luís Roberto.
Doze projetos de exploração sustentável do Cerrado no Distrito Federal são financiados pelo programa da ONU, por meio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Entre as iniciativas estão a recuperação da biodiversidade em colônias agrícolas ao longo do Córrego Riacho Fundo, o estímulo ao agroturismo em Brazlândia e a construção de uma pequena indústria para processar hortaliças e frutos do cerrado. (VS)
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