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Desmatamento na Serra Vermelha: árvores derrubadas para produzir carvão |
O destino de um santuário ecológico que abriga a última floresta do semi-árido nordestino, no sul do Piauí, tornou-se motivo de embate, com organizações não governamentais e ambientalistas de um lado e políticos e empresários do outro. Conhecida como Serra Vermelha, a área de transição entre Cerrado, Caatinga e remanescentes de Mata Atlântica abriga animais ameaçados de extinção, como a onça pintada, a suçuarana, o tamanduá-bandeira e a arara-azul-de-lear.
Para proteger uma área de mais de 300 mil hectares (equivalente a cerca de 3 mil km² ou seis vezes a área do Plano Piloto), ecologistas lutam há quatro anos pela criação do Parque da Serra Vermelha. Mas, em vez de atender a reivindicação, o Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) acertou com a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (Semar) a ampliação de uma reserva situada ao lado, o Parque Nacional da Serra das Confusões. Pela aquisição das terras, o ICMBio pagará R$ 150 milhões ao governo piauiense.
O problema é que a ampliação do Parque da Serra das Confusões não contempla a parte considerada de maior biodiversidade pelo próprio MMA. O presidente do ICMBio, Rômulo Mello, admite que o traçado da reserva abrange um platô coberto por Caatinga e deixa de fora os baixões (vales que cortam a chapada), onde está a vegetação de maior porte. “Não é o ideal, não é o que nós sonhamos, mas é o possível”, justifica.
O “possível” está longe do que querem os ambientalistas, frustrados com a decisão. “Não há necessidade de ampliar o Parque Serra das Confusões, que já é o maior do Nordeste com 502 mil hectares e nenhuma infraestrutura. O que nós queremos é uma nova unidade de conservação que proteja a Serra Vermelha de forma integral”, reclama Tânia Martins, representante da Rede de ONGs da Mata Atlântica no grupo de trabalho criado para discutir a implantação juntamente com membros da Semar e do ICMBio. Com isso, Confusões, como o parque é conhecido, passará a ter 802 mil hectares, o equivalente a uma vez e meia a área do Distrito Federal.
Tânia denuncia que o novo projeto abrangendo áreas antropizadas (modificadas por ação humana), com criação de gado e plantação de caju, sem contemplar aquela considerada remanescente de Mata Atlântica. Segundo ela, a manobra tem como objetivo beneficiar a carvoaria JB Carbon. A empresa é dona de 81.179 hectares de terra na região, tenta implantar o projeto Energia Verde, um plano de manejo florestal que consiste na derrubada de árvores para a fabricação de carvão.
Segundo Mello, o terreno ocupado pela empresa foi retirado do projeto a pedido do governo do Piauí, por meio da secretaria estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. “A criação de um parque é sempre um processo exaustivo de negociação”, explica Mello. O ex-governador do estado e senador eleito, Wellington Dias (PT), nega a interferênica. A reportagem tentou contato com a JB Carbon e não obteve resposta.
A briga contra a permanência da empresa na Serra Vermelha teve início em 2006, quando ambientalistas descobriram que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) havia autorizado o desmatamento de 78 mil hectares na região de ecótono (encontro entre os biomas Caatinga, Cerrado e remanescente da Mata Atlântica). O Projeto Energia Verde dividia a área em 13 partes. A cada ano, um desses lotes sofreria o corte monitorado, o que permitiria a regeneração das árvores. Na época, foi considerado o maior plano de manejo florestal sustentável e renovável de biomassa do país. No entanto, o que se viu foi um desmatamento indiscriminado.
O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública para impedir a derrubada das árvores. Com a repercussão do caso, o Ministério do Meio Ambiente determinou, na gestão da ministra Marina Silva, a paralisação do projeto. Posteriormente, o suposto plano de manejo acabou anulado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília.
Na decisão, a desembargadora federal Selene Maria de Almeida argumentou que o Energia Verde não constitui plano de manejo florestal sustentável porque adota o sistema de exploração de talha rasa, com corte de 100% da vegetação. A juíza destacou a existência de animais endêmicos (que só existem no local) e a tendência à desertificação devido à fragilidade do solo no semi-árido. A serra, rodeada de densa mata nativa, fica bem ao lado do Núcleo de Desertificação de Gilbués, um dos maiores e mais preocupantes do país.
A polêmica
Apesar das irregularidades constatadas no projeto, o ponto mais discutido por quem trata do tema é o tipo de vegetação. Na decisão, a desembargadora Selene Maria de Almeida argumenta que metade da área ocupada pelo projeto da JB Carbon é recoberta por floresta estacional decidual, um remanescente da Mata Atlântica.
Sua proteção está amparada na Lei nº 11.428/2006, pelo Decreto nº 750/93 e pela resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) nº 26/94. Selene cita como base para esta caracterização o mapa da vegetação do Brasil feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2004. “O governo do Piauí não aceita classificar aquela área como Mata Atlântica”, disse o presidente do ICMBio, Rômulo Mello. Segundo ele, o Ministério do Meio Ambiente solicitou ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nova pesquisa para tirar a dúvida. Mello garantiu que se os estudos comprovarem que há remanescente de floresta decidual no sul do Piauí, a preservação da mata voltará a sebr discutida.
"O animal mais precioso”
Senador eleito em outubro deste ano, o ex-governador do Piauí Wellington Dias (PT) nega interferência no processo em favor do projeto Energia Verde. “Não tenho nenhuma relação com a JB Carbon. As únicas áreas de baixão que tratei com a Secretaria do Meio Ambiente são aquelas habitadas há muitas décadas, algumas há mais de um século”. Para Dias, a preservação não pode prejudicar os pequenos agricultores e moradores da região. Ele defende que os nativos sejam preparados para conviver com a unidade de conservação, em vez de removidos para a criação do parque. “O animal mais precioso do planeta é o ser humano”, argumenta.
O ex-governador classifica a possibilidade da existência de floresta decidual do estado como “uma fantasia”. “Se é para fazer o parque, vamos fazê-lo. Mas um parque de Caatinga, pois é o que tem lá. Hoje, há uma grande luta para proteger esse bioma, que também está ameaçado”, disse o político. Ele garantiu ainda que a nova área de preservação terá toda estrutura necessária.
Crédito especial
Na noite de quarta-feira (22/12), o Congresso Nacional aprovou o repasse, por meio de crédito especial (PLN nº 39), de R$ 150 milhões para o Ministério do Meio Ambiente indenizar o governo do Piauí pela ampliação do Parque Nacional Serra das Confusões. O dinheiro entrará no orçamento do ICMBio para a aquisição de 299.600 hectares de terras públicas estaduais. No entanto, representantes da Fundação Rio Parnaíba (Furpa) dizem que o governo não tem o domínio desses terrenos. Segundo o presidente da Furpa, Francisco Soares, parte da área está ocupada por pequenos produtores e grileiros. Segundo o presidente do ICMBio, o montante só será repassado caso o governo do Piauí comprove a titularidade das terras.