A pedido do presidente Lula, a comissão mista do Congresso aprovou um crédito de R$ 150 milhões para o Ministério do Meio Ambiente indenizar o governo do Piauí pela futura ampliação do Parque Nacional da Serra das Confusões, um dos maiores do país, no sul do Estado, com 502.000 hectares. Seria razoável supor que ambientalistas, ongueiros e outros defensores da natureza estivessem comemorando a decisão, pois a medida deverá incorporar 336.000 hectares aos limites atuais da Serra das Confusões. A iniciativa, porém, tem causado muito mais revolta que festa. O motivo é que uma região próxima, ambientalmente mais rica, preservada e sob ameaça de devastação, a Serra Vermelha, foi excluída do plano de proteção.
A Serra Vermelha é uma área de transição entre o Cerrado e a Caatinga com remanescentes de Mata Atlântica, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A imagem acima, do fotógrafo e ambientalista André Pessoa, mostra um de seus trechos: um cânion com paredões forrados por um manto verde ainda fechado. A região, a última floresta preservada do Semiárido, é objeto de estudos e, desde os anos 80, empreendem-se campanhas por sua proteção. Tem ainda, segundo os pesquisadores, a maior biodiversidade do Nordeste. Em fevereiro de 2006, o Conselho Nacional do Meio Ambiente solicitou levantamentos técnicos para a transformação da Serra Vermelha em parque nacional. Entre as justificativas mencionou a presença de “importantes mananciais e grande diversidade biológica” e alertou sobre a atuação de grileiros em trechos que pertencem à União e ao Piauí. Todas essas considerações foram deixadas de lado na ampliação da Serra das Confusões.
De acordo com Dionísio Carvalho Neto, da ONG Rede Ambiental do Piauí, a principal ameaça à Serra Vermelha são as carvoarias. Há alguns anos, com uma licença antiga do Ibama, a empresa JB Carbon instalou 300 fornos num trecho da Serra Vermelha. Depois de derrubar uma parte da mata, a empresa foi denunciada numa reportagem da TV Globo e teve suas atividades embargadas por decisão da Justiça Federal. Apesar de recursos contra o embargo já terem sido negados, a decisão pode ser mudada a qualquer momento. Na proposta de ampliação da Serra das Confusões, a área reivindicada pela JB Carbon para a produção de carvão, 78.000 hectares, ficou fora dos limites do parque.
Outro fato que tem causado polêmica na ampliação da Serra das Confusões é o pagamento de R$ 150 milhões ao Piauí. Indenizações a proprietários particulares que comprovem presença regular em terras desapropriadas são comuns. Mas desde 1937, quando foi criado o primeiro dos mais de 70 parques nacionais, essa é a primeira vez que um Estado da Federação recebe pela desapropriação. Outro fato incomum é o pagamento antecipado. As indenizações a particulares costumam demorar anos para sair, pois dependem de comprovações de posse nem sempre claras ou confiáveis.
Segundo o presidente do Instituto Chico Mendes (ICMBio), Rômulo Mello, a operação foi uma forma de compensar um Estado pobre. “O governo local disse que queria leiloar a área para expansão agrícola. Foi uma negociação muito intensa. E foi aí que chegamos ao acordo da indenização.” Teme-se, porém, que a iniciativa abra precedente para que outros Estados reivindiquem indenizações retroativas.
No documento em que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, explica a Lula as razões do aporte de R$ 150 milhões está escrito que o dinheiro será entregue ao governo do Piauí. Em declarações à imprensa local, porém, o secretário do Meio Ambiente do Piauí, Dalton Macambira, já disse que parte da indenização seria destinada a proprietários particulares da região. O documento assinado por Paulo Bernardo é usado pelos ambientalistas como prova da falta de cuidado técnico do governo na ampliação da Serra das Confusões. Bernardo diz que a área da ampliação precisa ser protegida da exploração do “carvão mineral”. Mas esse é um tipo de atividade praticamente inexistente no Brasil. O carvão usado na região é “vegetal”, para abastecer siderúrgicas. E a área mais ameaçada por esse carvão é justamente a que ficou fora da ampliação.
Macambira questiona a ocorrência de Mata Atlântica na região excluída da ampliação. “Não há estudo que comprove isso”, diz. “O mapa do IBGE (sobre Mata Atlântica) é um absurdo.” Segundo ele, uma parte da Serra Vermelha não entrou no plano de ampliação “para não prejudicar alguns municípios que ficariam totalmente dentro do parque, o que prejudicaria os trabalhadores rurais e o extrativismo”.
Rômulo Mello, do Instituto Chico Mendes, diz que o governo solicitou ao IBGE um refinamento de seus estudos para determinar se a Serra Vermelha excluída da ampliação é mesmo ocupada por Mata Atlântica. “Essa ampliação que ficou acertada foi a proposta possível. Nem sempre a gente consegue tudo”, diz ele. “Se for possível, voltaremos a fazer uma nova ampliação no futuro.” A confusão em torno da Serra das Confusões promete continuar.
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