Em defesa de Amarante
O poeta e embaixador Alberto da Costa e Silva escreve sobre a hidrelétrica que vai inundar Amarante.
(*) Alberto da Costa e Silva
Chega-me a notícia de que se pretende afogar nas águas de uma represa a cidade piauiense de Amarante. O autor da desastrada idéia não deve saber o que é belo ou lhe ter horror. Assemelha-se a quem planejasse destruir, em Minas Gerais, Mariana ou Tiradentes, ou aterrar, no Rio de Janeiro, a enseada de Botafogo.
Amarante é um dos mais felizes matrimônios que conheço da natureza com as obras dos homens. Do alto da escadaria Da Costa e Silva, a visão é de tirar o fôlego. Um espetáculo inesquecível, como me repetem todos aqueles que, em minha companhia, de lá correram os olhos sobre o casario entrecortado de árvores, a descer para o rio Parnaíba e, na outra margem, a praia branca e os chapadões do Maranhão. Tampouco lhes sai da memória o passeio pelas ruas do centro histórico, com suas casas oitocentistas ou do início do século XX, algumas delas traduções sertanejas de estilos da belle époque, outras a nos mostrarem em sua simplicidade de linhas como pela via humilde se pode atingir a mais alta beleza.
Há poucos meses, exibiu-se no Teatro R. Magalhães Júnior, da Academia Brasileira de Letras, para cerca de 300 pessoas, o filme O retorno do filho, de Douglas Machado. O público, formado majoritariamente por escritores, artistas e amantes das letras e das artes, ficou, primeiro, surpreso, e, depois, deslumbrado com as imagens de Amarante. Não faltou quem me dissesse que não podia sequer imaginar que no Piauí houvesse uma cidade tão linda e tão diferente como paisagem, e não foram poucos os que se prometeram cumprir o dever de visitá-la. A reação dos que viram o filme confirmou em mim ser Amarante um dos sítios com maior vocação turística do Piauí sendo dois outros Oeiras e o delta do Parnaíba.
Quem não cuida do que foi inventivo, afortunado e harmonioso em seu passado não merece o futuro. Amarante foi um dos mais importantes ancoradouros do Parnaíba, quando o rio era o caminho que ligava o litoral ao sertão. Pelo plano inclinado que continua até as águas a rua principal da parte antiga da cidade desciam e subiam, arrastadas ou sobre roletes, as mercadorias que lhe animavam o comércio. Nesse pano inclinado, nessa rua e também nas vizinhas, brincou, menino, o maior poeta do Piauí. Foi a conviver com esse casario e com o fluir do Parnaíba, que ele descobriu que sua terra natal era um céu, se havia um céu sobre a terra, "um céu sob outro céu tão límpido e tão brando / que eterno sonho azul parece estar sonhando", a Amarante da qual jamais se apartou emocionalmente no exílio. O poeta seguramente se indignaria, se soubesse que se planeja inundar a sua cidade bem-amada. E ficaria ao nosso lado, ao considerar um despautério que se tenha, para construir uma usina hidrelétrica, de destruir um conjunto arquitetônico invulgar, que é um dos sítios mais importantes do patrimônio cultural e histórico do Piauí.
(*) Alberto da Costa e Silva é membro da Academia Brasileira de Letras.
O poeta e embaixador Alberto da Costa e Silva escreve sobre a hidrelétrica que vai inundar Amarante.
(*) Alberto da Costa e Silva
Chega-me a notícia de que se pretende afogar nas águas de uma represa a cidade piauiense de Amarante. O autor da desastrada idéia não deve saber o que é belo ou lhe ter horror. Assemelha-se a quem planejasse destruir, em Minas Gerais, Mariana ou Tiradentes, ou aterrar, no Rio de Janeiro, a enseada de Botafogo.
Amarante é um dos mais felizes matrimônios que conheço da natureza com as obras dos homens. Do alto da escadaria Da Costa e Silva, a visão é de tirar o fôlego. Um espetáculo inesquecível, como me repetem todos aqueles que, em minha companhia, de lá correram os olhos sobre o casario entrecortado de árvores, a descer para o rio Parnaíba e, na outra margem, a praia branca e os chapadões do Maranhão. Tampouco lhes sai da memória o passeio pelas ruas do centro histórico, com suas casas oitocentistas ou do início do século XX, algumas delas traduções sertanejas de estilos da belle époque, outras a nos mostrarem em sua simplicidade de linhas como pela via humilde se pode atingir a mais alta beleza.
Há poucos meses, exibiu-se no Teatro R. Magalhães Júnior, da Academia Brasileira de Letras, para cerca de 300 pessoas, o filme O retorno do filho, de Douglas Machado. O público, formado majoritariamente por escritores, artistas e amantes das letras e das artes, ficou, primeiro, surpreso, e, depois, deslumbrado com as imagens de Amarante. Não faltou quem me dissesse que não podia sequer imaginar que no Piauí houvesse uma cidade tão linda e tão diferente como paisagem, e não foram poucos os que se prometeram cumprir o dever de visitá-la. A reação dos que viram o filme confirmou em mim ser Amarante um dos sítios com maior vocação turística do Piauí sendo dois outros Oeiras e o delta do Parnaíba.
Quem não cuida do que foi inventivo, afortunado e harmonioso em seu passado não merece o futuro. Amarante foi um dos mais importantes ancoradouros do Parnaíba, quando o rio era o caminho que ligava o litoral ao sertão. Pelo plano inclinado que continua até as águas a rua principal da parte antiga da cidade desciam e subiam, arrastadas ou sobre roletes, as mercadorias que lhe animavam o comércio. Nesse pano inclinado, nessa rua e também nas vizinhas, brincou, menino, o maior poeta do Piauí. Foi a conviver com esse casario e com o fluir do Parnaíba, que ele descobriu que sua terra natal era um céu, se havia um céu sobre a terra, "um céu sob outro céu tão límpido e tão brando / que eterno sonho azul parece estar sonhando", a Amarante da qual jamais se apartou emocionalmente no exílio. O poeta seguramente se indignaria, se soubesse que se planeja inundar a sua cidade bem-amada. E ficaria ao nosso lado, ao considerar um despautério que se tenha, para construir uma usina hidrelétrica, de destruir um conjunto arquitetônico invulgar, que é um dos sítios mais importantes do patrimônio cultural e histórico do Piauí.
(*) Alberto da Costa e Silva é membro da Academia Brasileira de Letras.
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